Há muitos e muitos anos atrás havia um homem muito rico cuja mulher havia adoecido. Sentindo que estava no bico do corvo, a mulher chamou a sua única filha a beira da cama e sussurrou em seu ouvido:
− Minha menina, sê sempre amorosa, justa e caridosa, que Deus estará sempre ao seu lado e eu guiarei seus paços lá do céu.
E assim que acabou de sussurrar tais palavras no ouvido de sua filha, fechou os olhos, expirou e morreu. Sua filha a abraçou morta e chorou durante horas a fio e, no enterro, regou o túmulo de sua mãe com suas lágrimas de dor e saudades. E a partir de então a menina ia todo santo dia ao cemitério, depositava uma rosa branca no túmulo de sua mãe, rezava e regava o chão com suas lágrimas. O inverno passou rigoroso e, no verão seguinte, seu pai se casou com outra mulher que, vendo ser aquele homem rico e viúvo, logo deu um jeito de conquista-lo, pois, sendo extremamente interesseira e ambiciosa, não deixou sua presa escapar.
Esta mulher, no entanto, já tinha duas filhas de outro casamento, e elas eram bem parecidas com sua mãe tanto na aparência quanto no caráter. Todos foram morar na casa do homem rico que passava dias fora de casa em viagens de trabalho enquanto sua filha ficava aos cuidados de sua madrasta e suas novas irmãs. Estas odiavam a menina e a desprezava, a humilhavam e a maltratavam sob o consentimento de sua mãe que também odiava a menina, pois ela lhe fazia lembrar-se da defunta da ex-mulher de seu novo marido.
Durante anos a fio a menina sofreu muito nas mãos de sua madrasta e de suas duas irmãs. Estas a exploravam fazendo-a trabalhar para elas e no lugar delas. A menina fazia tudo dentro de casa enquanto a madrasta e as filhas ficavam de pernas para o ar. E como se não bastasse, toda vez que a menina não conseguia realizar sua carga inumana de trabalho escravo, ela cruelmente a castigava, deixava-a sem comida e água presa no porão da casa e de hora em hora ia até lá junto com suas duas filhas e surrava a menina sem dó nem piedade. Muitas vezes a trancafiava dentro de uma jaula dentro do porão e sempre queimava seu corpo com cigarro. Deixava-a semanas inteiras trancafiada no porão da casa deitada sobre suas próprias fezes e urinas. Certa vez, vendo que a sua madrasta e suas duas filhas estavam a descer a escada, implorou-lhes por um prato de comida e um copo de água, elas então obrigaram a comer suas próprias fezes e a bebere sua própria urina. E sempre que a casa ficava muito suja e bagunçada, a madrasta a libertava do porão e a obrigava a limpar toda a casa e, enquanto ela limpava a casa, suas irmãs de propósito a sujavam mais e mais bem na sua frente enquanto riam de forma macabra da sua cara.
Depois de uma noite intensa de trabalho, a menina acabou adormecendo no chão junto à borralha que saia do fogão a lenha na cozinha. E por esta razão a menina ganhou o apelido de gata borralheira, por dormir em meio ao borralho da lenha.
Certo dia sua madrasta perversa e suas duas irmãs cruéis saíram de casa para comprarem vestidos e, vendo a oportunidade, a menina foi até o jardim, apanhou um ramalhete de flores e foi visitar o túmulo de sua mãe e sobre ele depositou suas flores e as regou com suas lágrimas de dor e, enquanto chorava copiosamente contando para sua mãe os maus-tratos que sofria, viu de repente uma pomba branca pousara graciosamente sobre o túmulo de sua mãe e miraculosamente dizer-lhe:
− Não chores mais, minha filha, lembra-te que Deus olha por ti e ele te dará tudo o que a ele pedir.
A menina então enxugou suas lágrimas e retornou para casa com pressa antes que sua madrasta voltasse das compras. Naquele mesmo dia, assim que sua madrasta chegou a casa, ouviu da cozinha ela comentar feliz com suas filhas que o rei iria dar uma bela festa em seu palácio durante três dias, e que todas as jovens da cidade estavam convidadas, pois seu filho – o príncipe – iria escolher uma para ser sua esposa. As filhas da madrasta da gata borralheira então ordenou a esta que as penteasse, pois elas iriam ao baile para conquistar o príncipe e se tornar sua esposa; e uma irmã ficara a competir com a outra qual das duas iria conseguir conquistar o rei e se tornar sua esposa. A gata borralheira as obedeceu e as penteou, deixando-as muito bonitas, ao menos por fora. Mas quando reparou na s duas meninas vestidas tão luxuosamente e tão belas, correu para o banheiro e despencou a chorar e, enquanto se olhava no espelho, deprimida com sua aparência maltrapilha, ouviu a porta bater e sua madrasta e suas duas irmãs saírem em direção ao palácio do rei.
Agoniada com toda aquela situação deprimente, a gata borralheira saiu de casa correndo em passos largos e foi até o túmulo de sua mãe, lá chegando se ajoelhou e em seguida se deitou em posição fetal sobre o túmulo enquanto o regava com suas lágrimas de dor. Foi quando de repente a mesma pomba de anteriormente pousou novamente sobre o túmulo e disse-lhe:
− Não chores minha filha, esta noite você irá ao baile; levanta-te daí e feche os olhos.
A menina então se levantou lentamente e, de frente para a pomba sobre o túmulo de sua mãe, fechou os olhos e quando os abriu novamente, estava vestida com o vestido mais belo e luminoso que já vira em toda a sua vida e calçada com tamancos luxuosos, bordados a ouro e prata. Espantada com aquilo, levou a mão sobre sua cabeça e percebeu que seu cabelo estava limpo, cheiros e alinhadíssimo. Feliz da vida ela pulou de alegria fechando os olhos e, quando os abriu novamente a pomba havia desaparecido misteriosamente. Ela então começou a caminhar em direção a saída do cemitério e, quando chegou ao seu portão de ferro, viu do lado de fora uma bela carruagem com dois cavalos brancos e um cocheiro a sua espera que, descendo da carruagem, deu-lhe a mão e a ajudou a subir.
Ele então seguiu com a gata borralheira em direção ao palácio do rei e, assim que ela foi auxiliada pelo cocheiro para descer da carruagem, este a olhou nos olhos e disse:
− Minha bela senhorita, eu estarei aqui a lhe esperar, mas não se esqueça; o encanto da pomba branca só irá durar até meia-noite, depois disso você retornará à sua condição anterior, e eu irei desaparecer junto com esta carruagem.
A menina então acenou com os olhos como se demonstrasse ter compreendido o recado do cocheiro e caminhou em direção ao palácio subindo elegantemente sua escadaria. Quando ela adentrou ao salão, todos no baile voltaram seu seus olhares para aquela bela e misteriosa jovem, mas as mais surpresas de todo o baile foram as duas filhas da madrasta cruel, pois pensavam que seriam as duas mais belas do baile, mas quando viram aquela moça, sentiram ódio, ciúme e inveja em seus corações e, com os olhos vermelhos de raiva, viram o rei se levantar de seu trono e ir até aquela bela jovem com o olhar fascinado por sua extrema beleza e delicadeza no andar; tomando-a nos braços o príncipe a tirou para dançar e ambos dançaram durante todo o baile e o príncipe não tirou mais nenhuma moça para dançar de tão encantado que estava com aquela bela senhorita.
No entanto, de repente a gata borralheira ouviu o sino badalar doze vezes e, rapidamente deu um beijo na boca do príncipe e saiu correndo do palácio enquanto o príncipe corria para alcança-la. Na pressa, a bela jovem deixou seu tamanco cair durante a descida da escada e, enquanto ela entrava na carruagem e sumia no horizonte distante da cidade, o príncipe pegou ao chão o seu tamanco.
No mesmo instante o príncipe retornou ao salão e deu a festa por encerrada, dizendo que não precisariam voltar aos outros dois dias, pois o baile havia chegado ao fim. No outro dia bem cedinho, o príncipe ordenou aos seus mensageiros que pregassem por toda a cidade cartazes avisando que ele se casaria com a jovem cujo pé direito encaixasse no tamanco, pois assim ele saberia quem era a tão bela e misteriosa moça que havia dançado com ele no baile. Ele ordenou que seus servos levassem o tamanco com eles e o experimentassem em todas as jovens da cidade indistintamente, independente de sua condição social ou financeira.
Os servos do príncipe partiram rumo a sua missão de encontrar a dona do tamanco perdido na escadaria do palácio e, quando chegaram a casa onde a gata borralheira vivia, bateram à porta e, sendo recebidos pela madrasta cruel, foram convidados a entrar e a se sentara no sofá. Em seguida a madrasta chamou primeiro, uma de suas filhas para experimentara o tamanco nas mãos do servo do príncipe e, calçando-o de forma forçada e disfarçando a dor que sentia, ela disse:
− Ora! Não é que coube perfeitamente!
Mas o servo do príncipe não sendo bobo nada, percebeu que ela estava forçando demais o calçado e disfarçando sua dor e, tão logo lhe mandou retirar o tamanco, dizendo que ela não havia passado no teste. Triste e chorando ela saiu correndo e se trancou em seu quarto. Escondida no corredor estava sua irmã a ver todo o teste e, percebendo que ela não havia passado, concluiu que ela também não passaria, pois calçava o mesmo número da irmã. Desesperada, ela então correu até a cozinha, pegou uma faca bem afiada e se trancou no banheiro. Lá, ela tirou seu tamanco velho e depois sua meia de cor preta e colocou os pés sobre o vaso sanitário e cortou seus próprios dedos para caberem para seus pés caberem no tamanco; o sangue começou a jorrar dentro do vaso sanitário e logo ela correu para o chuveiro e lavou seus pés agora sem nenhum dedo sequer e em seguida calçou ali mesmo as suas meias para disfarçar o corte que havia provocado em seus pés arrancando todos os seus dedos para seus pés caberem perfeitamente no tamanco. Ouvindo os gritos de sua mãe a chamar por seu nome, ela rapidamente calçou seu tamanco e foi em passos largos e dolorosos até a sala. Lá chegando se sentou e o servo do príncipe colocou em seu pé direito o tamanco; este entrou tranquilamente e ela ficou radiante, mas o servo então apalpou a fronte do tamanco e viu que estava sobrando espaço – ela havia cortado os próprios dedos profundo demais – e ele então disse que ela não havia passado no teste. Chorando e com raiva, e a gora sem dedos nos pés, a jovem partiu em direção ao banheiro e lá ficou durante horas a fio a choras copiosamente.
Os servos do príncipe então perguntaram à madrasta se havia naquela casa mais alguma jovem, e ela arrogantemente disse que não. Naquele exato instante os servos ouviram uma panela cair na cozinha da casa e, desconfiados, foram até lá e, vendo a gata borralheira a trabalhar, chamou-a para experimentar o tamanco sobre muitos protestos da madrasta que dizia que ela era somente a empregada e que nem mesmo havia ido ao baile. Mas o servo do príncipe lembrando de sua ordem de que não deveria levar em conta a condição social e financeira de nenhuma moça, mas tão somente experimentar o tamanco em todas elas, ali mesmo na cozinha se ajoelhou diante dela e, calçando-a, viu que o tamanco cabia perfeitamente eu seu pé e lhe disse:
− Meus parabéns minha jovem! Você passou no teste. Largue tudo o que está fazendo e venha comigo. Você agora será a minha princesa e o príncipe espera por ti no palácio.
As duas irmãs ouvindo de longe que a gata borralheira seria a nova princesa do reino, se desesperaram de tanta inveja no coração e, cada uma a seu modo, um no quarto e a outra no banheiro, se mataram, uma enforcada e a outra degolada. E a madrasta cruel passou a vida toda a se culpar pelo suicídio das filhas e sofreu amargamente durante cem anos a fio.