A Origem do Tempo

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No ano 200.000 a. C um homem primitivo que vivia numa caverna devido ao clima gélido, encantado com a beleza do céu e suas estrelas brilhantes que formavam um espetáculo belo e sombrio de luzes e cores.

Todos os dias o homem primitivo saia na fronte de sua caverna e ficava a contemplar a beleza do céu. Foi então que ele percebeu que havia no céu durante a noite um luzeiro que a iluminava das trevas completas, dando-lhes conforto e consolo em plena era do gelo.

O homem primitivo então começou a fazer um risco na parede da caverna a cada noite que ele via o luzeiro a brilhar a escuridão do céu, dando-lhe o conforto de não ficar nas trevas, o que ele mais temia. Ele viu naquele luzeiro no céu em meio a escuridão não só como um consolo, mas também como um padrão matemático, uma repetição de um evento que acontecia todas as noites.

No entanto, certa noite o homem primitivo, depois de muito observar a lua todas as noites e marcar um risco na parede da caverna sempre que ela surgia, ele percebeu que a lua tinha um ritmo, um padrão, que começava com a sua criação (lua nova), posteriormente a lua aumentava de tamanho (lua cheia), até que, numa noite, o homem primitivo viu a noite chegar e a lua não aparecer, e a cada noite que ela não apareceu ele marcou outro risco diferente na parede da caverna, e o homem primitivo ficou aterrorizado, pois, desde que começou a contabilizar a periodicidade da lua durante todas as noites, nunca a lua havia se ausentado do céu durante a noite, deixando-o nas trevas, o que ele mais temia; e o horror e o terror tomaram conta dele e ele passou a ficar o tempo todo escondido no fundo da caverna com medo das trevas, e quando o sol nascia ele se aliviava, mas quando a noite chegou de novo e a lua novamente se ausentou, deixando-o nas trevas, o homem primitivo duplicou seu medo e terror, pensando que o luzeiro no céu havia morrido, e na outra noite novamente o luzeiro não apareceu. E durante três noites seguidas a lua morreu; no entanto, na noite posterior o homem primitivo percebeu que a lua havia renascido, e o ciclo que ele havia riscado na parede da caverna durante vários dias havia recomeçado. A lua nasceu, morreu e depois renasceu. E o homem primitivo dedicou a sua breve vida a contabilizar o ciclo lunar, e assim nasceu o tempo.

O Objeto Ocuto

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Havia um objeto oculto, secreto, escondido na mansão da Srª Amélia, onde eu trabalhava de governanta há anos; o que me concedeu bastante conhecimento antropológico e psicológico da família Morais de Almeida. O marido da Srª Amélia já havia morrido há muitos anos, e eu entrei na mansão para trabalhar como governanta logo depois. E desde a morte do marido a Srª Amélia vive em profunda melancolia e depressão, enclausurada em suma mansão sombria.

No entanto, desde que entrei naquela mansão, notei que havia algo estranho ali, algo com um significado ou causa oculta, escondida; algo que durante anos eu não soube explicar, mas uma coisa sempre chamou muito a minha atenção: a ausência completa de fotografias do marido falecido da Srª Amélia, e isso despertara minha curiosidade em relação à mansão e a Srª Amélia.

De qualquer forma, com o passar dos anos trabalhando como governanta na mansão que o marido havia deixado para a Srª Amélia, uma mulher distinta e com uma beleza exótica, porém muito melancólica e sempre triste, passava a maioria do dia dormindo e ficava perambulando pela casa durante a noite.

Certa madrugada, eu, curiosa para saber qual era o segredo que a Srª Amélia escondia naquela mansão, ao ouvi-la se levantar de sua cama e descer as escadas que levavam até a sala, eu me levantei da minha cama em meu quarto nos fundos da mansão e corri para ver o que ela iria fazer. Foi quando cheguei silenciosamente na escuridão da sala da casa e a vi entrar na biblioteca da mansão e fechar a porta. No entanto, minha curiosidade era maior, e eu acabei me aproximando da porta e abrindo-a lentamente para olhar pela fresta, e quando olhei, vi a Srª Amélia puxar da prateleira de livros um livro em específico e, assim que ela puxou o livro, uma porta entre as prateleiras de livros da biblioteca se abriu e ela então nela entrou e a porta novamente se fechou.

Naquele momento, com medo, eu retornei para o meu quarto e passei a noite toda acordada pensando no que é que a Srª Amélia escondia naquela passagem secreta. O que é que havia lá?

E quanto mais o tempo passava mais curiosa eu ficava e, num dia, numa das vezes em que raramente a Srª Amélia saia de casa para ir até o cemitério depositar flores no túmulo de seu marido, eu não me aguentei de curiosidade e aproveitei a saída dela para descobrir qual era o seu segredo.

Então, enquanto ela estava no cemitério a rezar para o marido falecido, eu corri e entrei na biblioteca e, por alguns segundos, procurei o livro que eu havia visto ela puxar e a porta se abrir e, depois de alguns segundos tentando aleatoriamente na direção em que eu havia visto, consegui encontrar o livro e, quando eu o puxei uma porta secreta se abriu e eu imediatamente entre, mas quando ela se fechou atrás de mim eu quase morri de susto; no entanto, mesmo com medo, eu segui em frente, pois minha curiosidade era maior do que o risco de perder o meu emprego, e do outro lado da porta havia uma gruta de pedra iluminada com velas que me levaram até um altar e, quando eu me aproximei do altar, vi em seu centro um vidro lacrado com uma cabeça humana dentro conservada com formol.

Desesperada por ver aquela cena horrível, eu saí correndo e voltei pelo mesmo caminho, mas quando cheguei à porta secreta da biblioteca por onde eu havia entrado, não encontrei uma forma de abrir a porta do lado de dentro, e por alguns segundos fiquei perdida, mas quando eu consegui me acalmar, comecei a olhar por todos os lados e vi um interruptor na parede ao lado, apertei-o e, graças a Deus a porta secreta se abriu e em seguida se fechou enquanto eu corria agoniada para o meu quarto. E ali me deitei em minha cama e fiquei a pensar de quem era a cabeça conservada em um vidro de formol naquela gruta sombria iluminada por velas, dando um ar macabro e demoníaco ao local. Com medo até às espinhas, quando a Srª Amélia chegou em casa do cemitério, eu me acheguei até ela com a cara abatida e disse não estar me sentindo muito bem, e pedi a ela dispensa aquele dia, para que ela pudesse ficar em seu quarto e descansar. E a Srª Amélia de imediato a liberou a passar o dia de folga.

Durante mais um ano inteiro eu continuei na casa, com medo e tensão, mas continuei movida pela minha curiosidade; a espera do aniversário do marido de morte do marido da Srª Amélia a fim de que eu tivesse outra chance de investigar melhor o caso.

Depois de um ano, chegou novamente o dia de aniversário de morte do marido da Srª Amélia e, enquanto ela estava no cemitério depositando flores no túmulo do marido, eu corri até sua biblioteca e comecei a procurar por qualquer coisa ou documento que me revelasse de quem era a cabeça daquele homem conservada dentro de um vidro de formol, e, no meio da minha procura aleatória, encontrei na gaveta da escrivaninha da biblioteca uma foto de casamento, com a Srª Amélia e seu marido e, quando olhei para o rosto do marido, reconheci na hora que a cabeça conservada em formol na gruta sombria era dele. Ela havia decepado a cabeça do próprio marido e a conservado em um vidro com formol em um lugar secreto escondido atrás da biblioteca da casa, uma gruta subterrânea iluminada por velas dando ao lugar um ar macabro.

Em seguida arrumei a bagunça que eu havia feito na biblioteca, deixando tudo ou quase tudo como estava antes e fui realizar meus afazeres de governanta. E desde esse dia eu esperava o ano todo para chegar o dia do aniversário de morte da Srº Amélia para eu procurar por sinais e pistas que indicassem porque aquela mulher havia cortado a cabeça do próprio marido e a conservado durante tantos anos em um lugar tão sombrio quanto aquela gruta subterrânea. E a cada ano eu descobria uma coisa nova que ia, aos poucos, revelando o mistério da cabeça do marido da Srª Amélia. Quem era de verdade a misteriosa Srª Amélia e porque ela decepara a cabeça do próprio marido e a guardara durante todos esses anos?

Ao longo de mais sete anos trabalhando na mansão, a cada ano eu descobri uma coisa diferente que me levou à resolução do caso.

Toda a fortuna do marido da Srª foi deixado para ela em testamento, incluindo a mansão onde ela morava.

O marido da Srª Amélia fora velado de caixão fechado, e o laudo de sua autópsia dizia que a causa da morte era meningite aguda.

O marido da Srª Amélia a traia com t, e ela tinha fotos desta traição porque contratou um detetive particular para seguir o marido depois que começou a desconfiar de suas traições.

A Srª Amélia desenvolveu um ódio mortal pelo marido depois de descobrir as traições de seu marido com prostitutas, e a prova disso estava nos escritos de seu diário.

A Srª Amélia, depois de descobrir as traições do marido, guardou seu ódio dentro de si e continuou sua vida com seu marido normalmente como se nada tivesse acontecido, e as provas disso também estão em seu diário.

A Srª Amélia traiu seu marido com garotos de programa para se vingar dele e suas traições, e isso está descrito no diário.

A Srª Amélia não conseguiu suprir seu ódio e seu desejo de vingança transando com outros homens e registrou em seu diário o seu desejo incontrolável de matar o seu marido e guardar para si um troféu.

Certa noite então, enquanto o marido dormia com sua mulher que somente fingia dormir, a Srª Amélia se levantou lentamente da cama para não acordar o marido e, pisando delicadamente ao chão, saiu do quarto e foi até a casa de ferramentas do lado de fora da mansão e lá pegou uma foice, a maior e mais afiada e depois retornou para casa, entrou sorrateiramente no quarto onde o marido dormia e, achegando-se ao lado da cama, desferiu um único golpe de foice que decepou sua cabeça na hora enquanto dormia.

A Srª Amélia em seguida pegou a cabeça do marido e a colocou em um vidro com formol e a guardou por alguns instantes na penteadeira do quarto. Depois retirou todos os lençóis manchados de sangue e, do lado de fora da casa, em um tonel, jogou-os fora e tocou fogo neles. Posteriormente ela retornou à mansão e ligou para um amigo seu da faculdade que atualmente trabalhava no IML, e o subornou com um milhão para fazer para ela um atestado de óbito com a causa da morte sendo meningite, e que ele recomendasse no relatório da autópsia que, devido ao estado avançado da doença, o corpo não deveria ser exposto em um velório com caixão aberto por risco de contágio da doença. O seu amigo aceitou e lhe entregou pessoalmente o atestado, e pegou sua recompensa de um milhão de reais em dinheiro vivo guardado em uma maleta, e depois foi rapidamente embora devido à demonstração de urgência de Srª de terminar aquela negociação.

Posteriormente a Srª Amélia ligou para a funerária que seria responsável pela realização do funeral de seu marido, mas ela fez a exigência de ela própria realizar o procedimento, subornando-os com mais um milhão de dólares. Eles imediatamente aceitaram e foram para a mansão da Srª Amélia.

Ao ver pela janela o carro da funerária chegar, ela imediatamente cobriu o corpo decepado do marido na cama com um edredom e escondeu o vidro com sua cabeça dentro em um armário.

Assim que eles tocaram a campainha a Srª Amélia desceu as escadas da mansão e atendeu a porta, pedindo que eles levassem todo o material necessário lá para cima no quarto. E assim os agentes funerários fizeram, levaram o caixão e todos os equipamentos de limpeza e maquiagem do cadáver, mas, ao nota-los na mão do agente, ela o olhou e disse que a maquiagem não seria necessário e lhe passou o relatório do legista que ela havia pagado para recomendar lacrar o caixão devido ao possível contágio da meningite aos presentes no velório.

Os agentes então levaram para dentro do quarto somente o caixão no chão mesmo e o material de lavagem do corpo e depois na escrivaninha e deixaram a Srº Amélia sozinha trancada no quarto enquanto eles esperavam na sala tomando chá que a última governanta servia.

Sozinha no quarto com o marido decepado, a Srª Amélia preparou todo o ritual, retirou as roupas do marido, o lavou com um pano umedecido e depois, arrastou o caixão que estava no chão até a beirada da cama e rolou o marido sem cabeça até o caixão. Ele havia caído de bruços, e ela teve algum trabalho para revirar o corpo e coloca-lo em na posição normal. Em seguida ela pegou a tampa do caixão e o fechou.

Sentindo-se aliviada depois de todo o trabalho, ela abriu a porta do quarto e mandou os agentes funerários lacrarem completamente o caixão e prepararem o velório na capela do cemitério da cidade.

Enquanto os agentes funerários realizavam seu trabalho, a Srª ligou para a administração do cemitério da cidade e mandou preparar uma sepultura para hoje, eles disseram ser impossível, mas ela mais uma vez os subornou com mais um milhão, e tão logo o administrador do cemitério construiu de uma hora para a outra com a ajuda de outras pessoas um belo túmulo.

Em seguida a Srª Amélia novamente ao telefone ligou para todos os amigos e parentes do seu marido, e lhes contara toda a história de sua doença e a necessidade de se realizar o velório com o caixão lacrado. E que, devido à doença, o velório aconteceria hoje mesmo, por medo de contágio.

Muitos apareceram no velório e depois de algum tempo de cerimônia, a Srª Amélia enterrou o próprio marido, a quem a cabeça ela havia decepado e guardado como um troféu.

 

O Misterioso Caso da Srª Izabelli

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Quando o consultor criminal Saul que substituiu o Dr. Honorato depois de sua morte chegou à cena de um possível crime, se deparou com a cena mais inusitada de toda a sua vida: uma mulher completamente carbonizada, reduzida a cinzas, deitada sobre um colchão de palha sem nenhum dano causado pelo fogo.

Saul ficou pasmo com aquela cena e se perguntou: como era possível que aquela jovem mulher pegasse fogo sem que o colchão de palha onde ela dormisse fosse danificado pelo fogo?

Eis aí um mistério que intrigou o detetive consultor Saul. Como era possível que aquilo fosse possível – perguntou Saul a si mesmo – e não conseguiu encontrar nenhuma resposta. Este era com certeza o caso mais misterioso de toda a carreira de consultor criminal de Saul, e ele não fazia ideia do que levou aquela mulher ser completamente carbonizada sem que o colchão de palha onde ela dormia sequer fosse danificado pelo fogo.

Saul então pensou na hipótese mais simples, ou seja, aquela mulher foi morta por um assassino que colocou fogo em seu corpo e, depois de carbonizado, o pegou e o trouxe de volta para sua casa e o colocou em sua cama. Esta era a única explicação natural possível para aquela cena bizarra.

Saul então, junto com a equipe de policiais envolvidos no caso, começou a procurar nos arredores da casa lugares onde o corpo pudesse ter sido queimado, mas nenhum vestígio de cinza foi encontrado em toda a região; levando Saul à estaca zero novamente. Como aquilo havia acontecido?

Só havia uma única possibilidade plausível para aquela cena bizarra, mas ela havia sido descartada pela ausência de sinais de cinzas na região, e, além do mais, carregar um corpo carbonizado não lá algo muito simples de se fazer, era preciso ser um médico legista para fazer aquilo de forma tão bem executada; é preciso ter técnica e sutileza para não transformar o corpo carbonizado em cinzas. Portanto, a única hipótese plausível para aquele acontecimento misterioso não era consistente com as provas ou ausência delas na região.

Saul então pediu ao detetive chefe para convocar à delegacia todos os médicos legistas da região para uma entrevista, a fim de diminuir o número de suspeitos descartando-os com a confirmação de seus álibis. No entanto, como o corpo fora completamente carbonizado, ficou impossível determinar a hora da morte, mas o legista que analisou o corpo carbonizado deduziu que ela havia morrido naquele mesmo dia, pois o corpo, apesar de totalmente carbonizado, ainda apresentava certa estrutura óssea.

Saul então não tinha uma hora aproximada do crime, e teria que eliminar os álibis não com base na hora do crime, mas sim no dia, o que iria dificultar ainda mais a investigação.

Depois de a equipe entrevistar e conferir o álibi de oito médicos legistas atuantes na região, todos os álibis foram, um a um, confirmados com total segurança, pois havia provas e testemunhas de que nenhum dos oito médicos estava na cidade naquele dia.

Então Saul começou a pensar em quem mais teria habilidade e conhecimento o bastante para deslocar um corpo carbonizado com tamanha destreza. Se não era um médico legista atuante na região, então quem era?

Saul então pediu ao detetive encarregado da investigação para pedir a sua equipe para procurar no banco de dados da polícia algum médico legista que tivesse sido há pouco demitido ou que estivesse aposentado. Foram encontrados dois médicos legistas, um que havia acabado de ser demitido e o outro que havia acabado de se aposentar. Depois de entrevistar e interrogar cada um deles e conferir seus álibis, mais uma vez não havia nada que desabonasse a atitude de qualquer um dos dois. E Saul novamente voltou à estaca zero. Ele tinha nas mãos um crime misterioso para solucionar, mas não tinha nenhum suspeito, pois todos haviam sido descartados.

Então quem havia feito àquela coisa horrível com a senhorita Izabelli se não existia nenhum suspeito do crime?

Foi então que Saul pensou: quando o número de suspeitos de um crime é igual à zero, como neste caso, então se deve investigar a própria vitima, e Saul então deu início a uma grande investigação da vida da senhorita Izabelli, e acabou descobrindo que ela era uma alcoólatra veterana e que, antes de sua morte, seu corpo já estava inchado de tanto álcool ingerido por ela.

Neste instante Saul teve um insight e disse ao detetive que havia resolvido o caso. E completou dizendo de forma magnetizante e eloquente que não havia ocorrido nenhum crime ali. Aquela mulher não havia sido assassinada por ninguém, a não ser por ela mesma, pois a sua ingestão de álcool excessiva levou seu corpo, que é um sistema elétrico-químico a produzir uma combustão humana espontânea.

Seu corpo foi destruído parcialmente pelo fogo, e quando suas roupas ficaram encharcadas com a sua própria gordura, funcionou como um pavio de vela. Devido ao excesso de álcool em seu corpo, o funcionamento elétrico-químico de seu corpo fez a sua gordura entrar em combustão. O seu corpo vestido funcionou como uma vela do avesso, e a gordura do seu corpo foi o combustível do fogo do lado de dentro e a suas vestes do lado de fora funcionaram como um pavio. Portanto, o suprimento contínuo de gordura do corpo (que contém grande quantidade de energia) da pobre Srª Izabelli que unido ao álcool excessivo em seu corpo e suas vestes fê-la se transformar em cinzas.

Enquanto a jovem dormia sob o torpor do álcool em seu corpo, as atividades elétrico-químicas de seu cérebro e de todo o seu corpo levou a uma rápida oxidação de suas células biológicas provocando assim a sua combustão espontânea, queimando-a de dentro para fora, por isso o colchão de palha não foi atingido pelo fogo. Caso encerrado – disse Saul olhando para o detetive – que ficara completamente boquiaberto.

 

A Origem do Cemitério

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Corroborando a teoria do filósofo brasileiro Thiago de Paiva Campos em seu livro “O Mistério do Graal: O Roubo do Corpo de Cristo”, de que Jesus fora sepultado na casa de José em Arimatéia e durante algum tempo esta casa se tornou a Igreja do corpo de Cristo, fazendo posteriormente à morte de Cristo, como imitação do sepultamento de Jesus – o corpo de Cristo – em uma casa-Igreja, a primeira do cristianismo, e logo depois José de Arimatéia seguiu para a Europa, na Inglaterra, onde fundou a primeira igreja cristã na Europa, e continuou o costume de enterrar os mortos da comunidade nas casas-igrejas.

Esta tese é tão verdadeira que, na Europa, os sepultamentos dentro das igrejas eram comuns até o instante em que surgiu a peste negra, que arrebatou milhões de vidas em toda a Europa. Com o aparecimento da peste negra, com o risco de contaminação e a falta de espaço nas igrejas da Europa para enterrar todos os mortos, como até então era de costume, surgiu a necessidade de se construir os primeiros cemitérios.

Tudo começou quando um padre da paróquia de Roma sugeriu ao Papa Clemente XVI que, com a ameaça de contágio e a falta de espaço nas igrejas, o costume de se sepultar os mortos dentro das igrejas deveria imediatamente cessar. Depois de alguma discussão entre a cúria romana devido ao fato de se sepultar os mortos dentro das igrejas era algo que estava ligado à origem do cristianismo, e que isso abalaria a estrutura de conservação dos costumes cristãos, mas então o padre sugeriu ao Papa que, ao invés de sepultar os mortos dentro das igrejas, que fossem construídos atrás das igrejas um espaço em um terreno onde os mortos pudessem jazer ou fazer os corpos deitarem sob a terra, um cemitério, e como era necessário manter alguma ligação neste rompimento de tradições milenares, o padre sugeriu que sobre cada cova fosse posta uma cruz, simbolizando que aquele era um rito cristão.  Mas o Papa então o questionou perguntando se somente enterrar os corpos do mortos pela peste iria conterá a disseminação da doença, foi então que o padre sugeriu que os corpos então fossem lacrados hermeticamente em um caixão de madeira.

Depois de alguns minutos em silêncio analisando a situação, o Papa resolveu que os cemitérios deveriam ser construídos e que os sepultamentos em igrejas deveriam cessar imediatamente em toda a Europa.

Uma carta oficial do Papa foi enviada a cada Bispo da Igreja na Europa, e eles, junto à comunidade começaram a construir os cemitérios por de trás das igrejas. A partir daí os mortos não foram mais sepultados nas igrejas, mas sim enterrados em cemitérios. O ritual fúnebre passou do sepultamento para o enterro devido à necessidade que a peste negra causou em parar com os sepultamentos em igrejas e enterrar os corpos em cemitérios.

Devido ao fato de as igrejas já não comportarem tantos mortos pela peste negra e o risco de contágio aos membros da igreja, sepultando-os dentro da igreja como fora desde o sepultamento de Jesus Cristo na casa de José em Arimatéia, e cuja a tradição José deu continuação e passou de geração em geração até a chegada da peste negra.

Com a construção dos cemitérios por toda a Europa, aos poucos a peste foi acabando, e o costume de fazer deitar os corpos sob a terra se perpetuou por todo o mundo. No Brasil os sepultamentos em igrejas existiram até o ano de 1820, quando a ordem do papa de proibir os sepultamentos em igrejas chegou até o Brasil, marcando o momento histórico da construção dos primeiros cemitérios brasileiros.

No entanto, com a resistência da mudança da tradição milenar de sepultar os mortos nas igrejas e o preconceito contra os escravos, que eram vistos pelos brancos como animais inferiores, e não como seres humanos, os primeiros enterros em cemitérios brasileiros ocorreram somente com cadáveres de negros escravos e indigentes. Os homens brancos continuaram a ser sepultados dentro das igrejas durante longo tempo, de tal modo que o tamanho de uma cidade no Brasil era medido pelo número de igrejas que a cidade continha, já que as igrejas desde o sepultamento de Jesus na casa de José em Arimatéia e a tradição por ele iniciada na Inglaterra e espalhada por toda a Europa até o surgimento da peste negra, e como a peste não havia atingido o Brasil, o orgulho do brasileiro branco falou mais alto e os sepultamentos nas igrejas continuaram mesmo com a proibição oficial do Papa, as pessoas não aceitavam serem enterradas atrás da igreja ao invés de sepultadas dentro da igreja, e com a influencia de coronéis sobre a igreja, os sepultamentos dentro das igrejas continuaram para os brancos e o enterro se reservou aos escravos e indigentes. E, para os brancos, ricos e poderosos as igrejas continuaram a fazer o papel dos cemitérios.

No ano de 1888 a Lei Áurea foi assinada pela redentora Princesa Isabel do Brasil, e desde esse momento, a diferença entre brancos e negros começou a se desfazer aos poucos, até que, com o tempo, os cemitérios que antes enterravam somente negros escravos e indigentes, começou a ser morada também dos corpos de brancos, poderosos e ricos do Brasil, porém, como o mestre Matias Aires nos ensinou em suas Reflexões Sobre a Vaidade do Homem, a vaidade e o orgulho se manifestam até mesmo na hora da morte, e os brancos, poderosos e ricos começaram então ao invés de enterrar os corpos de seus entes queridos, a construir sepulturas ao invés de covas, pois para eles enterrar os corpos de seus entes amados era muito humilhante, considerado um tipo de ritual fúnebre reservado somente para os escravos. Mas agora não existiam mais escravos, e os brancos viram que todos, sempre, terminam no mesmo lugar, seja enterrado ou sepultado.

 

Incelença da Morte

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No bico do corvo, deitado em meu leito de morte, com apenas alguns poucos familiares em volta esperando o instante do meu passamento. Tive um súbito desejo de ouvir cânticos, para aliviar o meu passamento e chamar até mim os anjos de Nosso Senhor. Então pedi às mulheres de minha família que ali estavam, duas irmãs, uma prima e uma tia e minha mãe já de idade, para cantarem para mim um canto da morte, um canto do passamento.

Em seguida ao meu pedido um vento forte e sobrenatural entrou pelo quarto fazendo bateras janelas e derrubando coisa e, assim que o vento parou, as mulheres começaram a sentir como se suas gargantas estivessem pegando fogo e, de repente, como que por milagre, elas entoaram um som uníssono de pequenos cânticos. E aquilo, além de espantado, me consolou e confortou, pois por meio daquele cântico fúnebre eu senti a presença do Espírito Santo que se manifestou em línguas de fogo que faziam cada uma das mulheres cantarem sem saber como o mesmo cântico pequeno e repetitivo. E naquele momento em comecei a pensar em cada um dos meus mínimos pecados e me arrepender profundamente de cada um deles do fundo da minha alma.

O cântico representava uma estrutura rítmica muito simples que eram compostas de doze estrofes cada uma. O número dos apóstolos de Cristo. O cântico era marcado pela ausência de qualquer instrumento musical, cantado somente por mulheres, que cantavam em som uníssono cada uma das doze estrofes do cântico que confortava minha alma com sua beleza assombrosa.

E o cântico que ressonava das gargantas de fogo das mulheres constituía-se apenas de 12 estrofes com 4 versos cada, idênticas umas às outras, exceto pela progressão numérica de 1 a 12 de cada uma delas.

A marcação de cada estrofe é identificada no início de seu primeiro verso, contendo em seu próprio cântico a contagem de cada cântico, ou seja, o número da incelença, como, por exemplo: “Uma Incelença” para a primeira; “Duas Incelenças” para a segunda, e assim sucessivamente até passar às doze horas de velório, totalizando uma incelença a cada hora.

E este mesmo verso fora cantado doze vezes. O cântico uníssono das mulheres em torno do meu leito de morte aliviou o meu sofrimento na morte e chamou para perto de mim os anjos de Deus, que ouviram as incelenças lá no céu e vieram me buscar depois de terem sentido o meu arrependimento verdadeiro. E, em fim, e espirei e morri.

Uma lavandeira, uma beija fulô 

Lavando os paninhos de Nosso Sinhô   

Quanto mais lavava, mais sangue corria        

Mãe de Deus chorava; os judeus sorria

E esses versos foram cantados doze vezes, como na primeira vez quando a morte libertou o meu espírito e eu dei o último suspiro, só que desta vez o cântico fúnebre era entoado enquanto minha pobre mãe lavava meu corpo com um pano molhado em uma bacia.

Quando acordei, me vi fora de meu corpo e olhei meus familiares prantearem meu corpo com suas lágrimas de tristeza e saudade, e ao meu lado estava agora somente um anjo, que, quando eu o questionei quem ele era, ele disse ser o meu anjo da guarda, e que me ajudaria a passar desse mundo para a Cidade de Deus, onde eu viveria na glória da contemplação da grandeza e beleza de Deus.

No entanto, depois de eu questionar meu anjo da guarda, olhei de volta para o meus familiares em torno de meu corpo na cama e vi minha tia se levantar, ir até outro cômodo da casa e depois voltar com um lençol branco nas mãos. Enquanto os homens enrolavam o meu corpo num tipo de mortalha, deixando somente meu rosto à mostra, as mulheres entoaram outro cântico semelhante ao primeiro, mas com a marca de ser a segunda incelença, que fora cantada na hora de colocar a mortalha no meu corpo.

Uma Incelença

De Nosso Sinhô 

Veste esta mortalha

Foi Deus quem mandô

Depois de minha mãe lavar meu corpo, colocaram-no em uma mortalha.  Neste momento o cântico possuía palavras que eram diferentes da primeira, mas a melodia e o ritmo eram exatamente os mesmos, com sua estrutura repetitiva.

Após de amortalharem meu corpo, colocaram-me em um caixão com velas e flores, fazendo aparecer somente meu rosto. E então as mulheres de repente começaram a entoar um novo cântico:

Uma Incelença

De Nosso Sinhô 

Veste esta mortalha

Foi Deus quem mandô

Depois que o meu corpo fora colocado no caixão e deu início ao meu velório. E assim foi feito a cada hora, onde uma nova incelença era cantada de forma bela e melancólica pelas mulheres que deram início ao cântico fúnebre entoando o meu velório e o enchendo de anjos e santos por toda a parte dentro de minha casa, onde o velório fora realizado. O velório de meu corpo se estendeu por toda a noite até o raiar do dia, durando doze horas ao total, com uma incelença para cada hora. Até que chegou a aurora do dia e o momento de levarem meu corpo de minha casa para ser enterrado. Então nesse momento as mulheres começaram a cantar a última incelença, a que seria cantada na barra do dia, na hora da partida, na hora mais dolorosa da mote. E assim que o meu caixão foi pego por seis homens e começou a ser levado em seu ombros pelo meio das ruas da cidade de minha casa até o cemitério; no instante em que o meu caixão passou para fora de minha casa as mulheres começaram a entoar o último cântico fúnebre, cantado na barra do dia, na hora do enterro.

Ajunta os carregador

O defunto quer ir-se embora

Ajunta os carregador

O defunto quer ir-se embora

(…)

Eu venho pedir licença,

Licença p’ra cantar agora

Ó, alma; ó alma. Porque estás aqui chorando

Se é por uma Incelença, já estamos cantando

E estes versos, assim como os outros, foram cantados doze vezes e, quando o cântico terminou e meu corpo foi enterrado, os anjos e os santos que estavam comigo olharam sorrindo com os olhos para mim e me abraçaram e, em seguida ao abraço dos santos e anjos. Eu só me lembro de acordar no céu, na glória de Deus.

 

O Funeral Macabro

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Numa noite sombria onde as trevas eram ressonadas pelo pio do carcará que anunciava a morte na tribo, o líder politico, moral e espiritual de nossa tribo morreu. Feita a anunciação da morte de Kakuatã – O Líder e Pai da tribo – a todos na região que era liderada por Kakuatã, deu-se início aos preparatórios para o funeral.

O corpo de Kakuatã foi colocado cuidadosamente sobre uma mesa dentro da oca, enrolado em uma mortalha enquanto os índios cantavam e dançavam de forma repetida em volta do corpo, de um lado para o outro e esse ritual durou 12 horas direto sem parar, onde todos no funeral se mantinham em completa abstinência alimentícia, ou seja, 12 horas em jejum.

Passadas as 12 horas de jejum, o corpo do líder Kakuatã fora levado por seis homens, três de cada lado, que o colocaram sobre seu ombros e, naquele instante, na barra do dia, os índios começaram a cantar um melodia diferente, com tom melancólico e sombrio, porém de grande beleza enquanto seis homens, geralmente os familiares ou os mais próximos, levavam em seu ombros o corpo envolto em uma mortalha branca na frente enquanto todo o resto da tribo ia atrás cantarolando aquele cântico melancólico e triste.

Ao chegar ao local da cova onde o líder seria enterrado, de repente a cantoria melancólica e agonizante parou subitamente e então os seis homens cuidadosamente colocaram o corpo bem devagar dentro da cova e o enterraram, onde cada pessoa da tribo jogava com suas mãos um pouco de terra sobre o corpo.

Durante um mês todos os membros da tribo jejuaram durante o dia e só comiam durante a noite e, quando fez o aniversário de morte do líder Kakuatã, toda a tribo em festa correu até a cova do seu líder e o desenterrara, pegaram o corpo, os mesmo seis homens que o enterraram inicialmente e, enquanto eles caminhavam, todo resto da tribo cantava cânticos de alegria e felicidade, e dançavam sem parar de um lado para o outro de forma repetitiva.

Em seguida levaram o cadáver já em alto estado de putrefação até o centro da aldeia, onde havia um enorme fogo com uma grande panela cheia de água sobre ele. Os seis homens colocaram cuidadosamente o cadáver de seu líder dentro da panela com água fervendo. Depois de algumas horas as partes moles do cadáver desapareceram na água fervente.

Posteriormente o fogo da caldeira fora apagado por alguns membros da tribo que traziam água do rio em cabaças. Depois que a água esfriou cada membro da tribo ajudou a pegar os ossos que restaram da fervura do cadáver de seu líder em meio a água com os restos mortais, e, depois de recolherem todos os ossos, a tribo colocou seu conjunto dentro de um pilão e começaram a triturar os ossos até que eles se transformaram em cinzas.

Depois desse ritual acompanhado pelo silencio da natureza e um único som a ecoar pelos ares: o canto da Mãe da Lua, que entoava a melodia da morte em som uníssono com o pio do carcará de forma macabra; os dois cantos distintos dos pássaros juntos entoando o mesmo som melancólico e tenebroso da morte em uma harmonia melódica bela e assombrosa, toda a tribo pegara os restos dos ossos triturados durante o dia pelos índios e, em uma caldeira menor, onde foi misturado com água e cachos de caxirí; e depois servido em conchas a todos os membros da tribo que, ao redor da caldeira menor, onde o chá de ossos fora produzido e distribuído a toda a tribo, todos juntos tomaram aquele líquido feito de água morna, cachos de caixí e ossos de defunto. Todos fizeram o ritual de beber as cinzas do líder da tribo para absorver suas virtudes.

 

Rotifera

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Um cientista médico desesperado por chegar à sua casa do trabalho e encontrar sua amada mulher morta no sofá da sala; fez todos os métodos normais de ressurreição, pressão torácica, respiração boca a boca e, por fim, pegou sua maleta que trouxera do hospital consigo no carro e retornando com a maleta tirou de dentro dela um desfibrilador portátil, e, durante uma hora inteira, completamente desesperado, o marido tentou ressuscitar a sua amada mulher; tentou até cansar e não aguentar mais, e então se deu conta de que sua mulher havia morrido e se deitou sobre seu corpo e passou horas a chorar, regando-o com suas lágrimas como um jardineiro rega a sua flor.

Completamente revoltado com a morte de sua mulher, o cientista a pegou nos braços e a levou para a cama. Lá, sentado ao lado dela, ele começou a pensar em uma forma não tradicional de ressuscitá-la. Foi então que de repente lhe veio à mente a palavra Rotifera.

E ele naquele instante foi tomado por uma súbita felicidade e exclamou gritando: Eureka. Ele já sabia como iria ressuscitar seu amor. E, pegando-a nos braços novamente, levou-a para o seu laboratório que mantinha no porão de sua casa enquanto dizia repetidamente: rotifera, rotifera, rotifera… e, quando chegou ao seu laboratório, colocou o corpo de sua mulher sobre uma maca.

Em seguida caminhou aleatoriamente pelo laboratório como se tentasse se lembrar de algo ou encontrar uma saída para algum problema e, de repente ele parou, olhou para o horizonte, e, do imenso armário que tomava todo o laboratório e continha todo tipo de espécie animal estranha, porém minúsculas e microscópicas, o médico correu até um dos armários e, abrindo-o, começou a procurar por algo, e ia tirando frasco por frasco até que, quando ele menos esperava, em fim ele encontrou: um frasco de vidro com um animal invertebrado denominado Rotifera, que possui uma habilidade extraordinária chamada criptobiose, que consiste em cessar o metabolismo quando as condições ambientais não são favoráveis ao animal. Rotíferas podem permanecer assim, sem vida metabólica, durante meses ou até mesmo anos até que seu sistema biológico seja religado completamente, retornando assim à vida.

Com base nesse princípio de regeneração biológica e restauração da vida presente nas rotíferas, o cientista idealizou sua ressurreição na negação de sua morte. Pegou o frasco com rotíferas ainda vivas, colocou-o sobre uma mesa de metal, abriu cuidadosamente a sua tampa e em seguida, com um instrumento cirúrgico, pegou o animal e o colocou no microscópio; posteriormente, com o animal na plaqueta do microscópio, o cientista pegou uma seringa muito pequena, usada para manipular genes, e retirou com ela células vivas da rotifera e sugou todas as suas células até ela morrer.

Quando terminou o processo, o cientista foi até o corpo de sua mulher e aplicou uma dose das células vivas da rotifera em pontos estratégicos de seu corpo seguindo o os pontos do homem vitruviano de Leonardo Da Vinci; injetando um pouco nos pés, depois nas mãos e por fim, ele raspou uma parte do cabelo de sua mulher, perto da parte de trás da orelha e em seguida, com um bisturi, fez um pequeno corte no local e depois pegou uma cerra elétrica cirúrgica e cortou uma pequena parte do crânio de sua mulher. Em seguida, com uma pinça, retirou a parte do crânio que havia cortado, colocando-o em uma bandeja de prata, e depois pegou a seringa com células vivas de rotifera e injetou bem no centro da glândula pineal no cérebro de sai esposa. Posteriormente recolocou a parte do crânio que havia retirado, fez um belo curativo e enfaixou a cabeça de sua mulher com uma atadura. Se tudo desse certo, as células das rotíferas vivas injetados em pontos cardeais do corpo humano faria as células do corpo de minha mulher se regenerarem totalmente até que ela em fim voltaria a vida, mas isso poderia demorar meses ou até mesmo anos, mas ele estava disposto a esperar o tempo que fosse para ver seu amor voltar à vida.

O tempo passou e todos os dias ele dormia com a sua mulher ao seu lado em sua cama; às vezes, até fazia sexo com ela enquanto morta. O corpo continuava normal, sem qualquer sinal de putrefação, e a cada dia parecia se regenerar mais e mais. Foi assim até que, depois de três anos, no meio da noite enquanto ele dormia, ela em fim acordou, puxou o ar como se engolisse sua alma e abriu seus olhos e gritou. Ele acordou assustado com aquele grito e, quando olhou para o lado, viu sua amada mulher sentada sobre a cama viva, olhando para ele. O método havia funcionado. Ele havia trazido sua mulher de volta à vida depois de três anos morta.

A sua ressurreição foi como um reencontro e eles se abraçaram e se beijaram, fizeram amor e depois deram uma festa só para os dois em sua casa. Foi então que, no auge da felicidade do cientista, no instante do tempo que ele desejara ser eterno; uma dor fortíssima tomou conta de seu peito e ele caiu morto.

 

Overdose

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Quando injetei no meu braço uma mistura de heroína com morfina, em dentro de dois segundos eu senti como se Deus tivesse se apossado do meu corpo, e nenhum sofrimento mais existisse no mundo todo. De repente senti meu corpo flutuar e formigar por inteiro. Foi então que eu vi a figura mitológica de Hipnos vindo em minha direção em meio à escuridão, como se fosse uma caverna de onde sua imagem se projetava.

Apareceu para mim com um chifre enorme contendo ópio, um talo de papoula, um ramo gotejando água do rio do esquecimento, que em suas margens continha o eco das águas límpidas que percorriam no rio e cujo som ajudava-me a me manter dormindo; e Hipnos trazia consigo também uma coisa muito distinta, uma tocha invertida, cuja luz projetava a sombra da caverna onde ele estava e refletia sua própria imagem.

Foi então que, de repente Hipnos se virou de costas para mim e caminhou pela caverna que na verdade era um grande palácio belo e assombroso, e, abrindo a porta de seu quarto foi até a sua cama cercada por cortinas pretas, onde Hipnos entrou e se deitou para descansar.

Neste instante, de repente Morfeu se materializou com suas duas grandes asas tão rápidas que batiam como um beija-flor, sem fazer qualquer barulho, ao lado da cama de Hipnos e, sussurrando baixinho, disse-me para não fazer qualquer barulho para não acordar Hipnos, e então me convidou para sair do quarto e nós fomos pisando levemente no chão para não fazer barulho e, assim que saímos, Morfeu fechou cuidadosamente a porta do quarto e me levou até uma sala luxuosa e sombria, de uma beleza que eu jamais havia visto em toda a minha vida e me convidou para me sentar junto a ele.

A sala era de formato arquitetônico oval desde o chão até o teto, onde havia um enorme lustre de diamantes, a parede era toda de pedra, porque era uma caverna, mas os móveis eram todos de luxo; a poltrona onde estávamos sentados era roxa e de veludo, o tapete que cobria o centro da sala era de uma beleza tão grande que dava pena de pisar sobre ele, e havia flores de papoula por todos os lados. E isso era tudo o que continha na sala oval.

Sentados ali, olhando um para o outro, eu e Morfeu. Ele começou a me explicar que ele era um moldador das formas que dá vida aos sonhos. Disse-me que o sonho ordinário do dia a dia possui três cenas, uma do passado, outra do presente e a outra do futuro; e que essas formas se manifestavam de maneira onírica por meio de metáforas e metonímias nos sonhos, permitindo-me enxergar o tempo como um todo, o passado, o presente e o futuro num único tempo.

E então de repente se materializou num dos sofás da grande sala oval, bem à nossa frente, Tânato, como uma nuvem prateada e, sentado em sua poltrona, de frente para mim e Morfeu, ele me disse que o que estava acontecendo naquele instante no mundo real era que ele estava prestes a ter uma overdose de heroína e morfina – naquele momento eu olhei de rabo de olho para Morfeu, enquanto ele olhava fixamente de volta para mim – e sua morte é iminente. Como você acabou adormecendo com a cabeça virada para cima, você engasgará no próprio vômito e morrerá; se você tivesse dormido com a cabeça virada para o lado, o vômito sairia tranquilamente e não prenderia a sua respiração evitando assim a sua morte. Mas você não sabia disso não é? Pois se soubesse teria dormido de lado depois de se drogar.

Acontece que agora há duas possibilidades, ou você se vira imediatamente colocando sua cabeça de lado no travesseiro ou então você morrerá engasgado no próprio vômito. E por isso eu – Tânato – estou aqui, para lhe levar para o mundo dos mortos caso você não se vire agora enquanto está dormindo e coloque sua cabeça para o lado.

Pensando que tudo aquilo não passava de uma imensa e sinistra viagem provocada pela dose que tomei de morfina e heroína, fiquei ali parado sentado naquela poltrona de veludo roxo e, de repente, Hipnos surgiu pela porta da frente da sala oval e caminhou até mim e, com sua delicadeza, tocou o centro da minha testa com seu dedo indicador e eu imediatamente adormeci.

Quando acordei com a cara na lama em um vale sombrio e cheio de trevas, percebi na hora que eu não estava mais no mundo dos vivos. Eu havia morrido, e aquelas imagens em minha mente não eram viagens da minha cabeça, era a minha própria mente por meio de arquétipos culturais gregos tentando me avisar durante o sono para eu me virar e colocar a cabeça para o lado, mas eu não dei atenção, pensando ser tudo uma viagem, e continue com a cabeça virada para cima e, enquanto dormia, morri afogada em meu próprio vômito.

 

 

 

Melancolia

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Minha cama é meu lar. Minha cama é minha ama de leite que me alimenta com seu sangue de mel. Eu só levanto da cama para ir ao banheiro, isto porque o banheiro está há um metro da minha cama em meu quarto. E só como por convenção social e necessidade biológica, pois penso que comer é uma perda de tempo.

Enquanto eu estou comendo poderia estar escrevendo. A literatura é para mim o ar que eu respiro, a oração que faço a Deus por meio de palavras. E tudo o que não é literatura simplesmente me deprime e me aborrece.

Eu nuca consegui parar em um único emprego, pois bater ponto em um lugar todos os dias no mesmo horário para fazer algo que somente me deprime e me aborrece não me permitia conseguir ficar mais de um ano em cada emprego antes de começar a dar ulceras no estômago. Certa vez eu durei apenas três dias em um emprego, pois a sua entediante e repetitiva tarefa me deixava cada dia mais melancólico e, no terceiro dia eu comecei a ter sonhos dizendo que eu era um escritor.

A partir desse dia pedi demissão do meu emprego de três dias, que fora o último de minha vida e passei a me dedicar integralmente de corpo e alma à literatura, que era a única coisa que me mantinha vivo, pois, para mim, na vida tudo era morte, e escrever era a única coisa que eu sabia fazer, e tinha aquilo não como robe, pois neste caso eu não seria um escritor, mas tinha aquilo como a missão de minha vida, e todo o resto na minha vida era somente resto, e tudo o que me importava era a literatura e as letras.

Passei a morar no porão da casa de meus pais e ser sustentados por eles para poder escrever e não perder o meu tempo com empregos que só me deprimem e aborrecem e causam ulceras em meu estômago. Para mim, agora, se eu não pudesse escrever eu preferiria a morte; na verdade, eu sempre preferi a morte à vida desde que nasci; que considero o dia de minha morte e a cada aniversário eu não comemoro mais um ano de vida, mas sim menos um ano de vida, e fico feliz por isso, pois a cada menos um ano de vida, ou seja, de morte, mais perto da verdadeira vida eu chego, então gosto de comemorar meu aniversário, mas sou tão melancólico e deprimido que, tendo o dia do meu nascimento como o dia de minha morte em vida, todo ano eu comemoro meu aniversário trancafiado no porão onde eu moro. Então eu faço um bolo e, ao invés de cortar o bolo, eu corto meus pulsos.

Assumi a humilhação de não conseguir meu próprio sustento simplesmente porque eu não tenho o menor talento para viver; e não havia um só dia em que meus pais não gritavam dentro de casa que eu era uma vergonha, um fracassado que não consegue nem sequer angariar o próprio sustento e vive no porão da casa deles escrevendo esse tal livro que não devia servir nem mesmo para limpar a bunda deles.

A vida é para mim algo estranho. E escrever era tudo o que eu sabia fazer, e que aliviava a minha dor de existir, e tudo o que amortecia a minha dor e me permitia continuar vivendo era a escrita, a literatura, a letra. Não havia um só dia que eu não escrevia o meu livro em manuscritos quase ilegíveis para qualquer outra pessoa, mas não para mim.

Vivendo no porão da casa dos meus pais e suportando as humilhações diárias deles com o propósito de escrever, e somente escrever, aliviando assim a dor da minha própria existência; com a umidade do porão, em alguns anos eu adoeci, e comecei a tossir incessantemente, até que numa noite eu tossi sangue, e então percebi que estava morrendo. Às vezes os acessos de tosse eram tão intensos e prolongados que me impediam de escrever.

Em três dias eu em fim terminei o meu livro e, quando terminei de escrever a palavra FIM, fechei os olhos lentamente como se um torpor de heroína tomasse conta de meu corpo e morri.

Dias depois, com o odor do meu cadáver, meus pais desconfiaram que alguma coisa estava errada, e então arrombaram a porta do porão e se depararam com meu corpo já em avançado estado de putrefação junto aos manuscritos do meu livro.

Eles então, quando viram a cena, sentiram um misto de alegria e tristeza. Alegria porque em fim aquele estorvo financeiro havia morrido, e não lhes daria mais gastos. E tristeza porque, apesar de tudo, era o único filho deles.

Os pais então planejaram o funeral e enterraram o filho, com apenas os dois e o coveiro presentes. Quando chegaram de volta em casa depois do enterro, foram até o porão onde o filho morara durante anos a fio escrevendo todos aqueles manuscritos imprestáveis, que não davam à família sequer um único centavo. O pai então sugeriu que queimassem toda aquela porcaria, mas a mãe discordou, dizendo que era melhor juntar tudo aquilo, empacotar e jogar no lixo. E assim eles fizeram; pegaram cada um dos manuscritos do filho, juntaram tudo e colocaram em uma caixa e depois a jogaram no lixo.

No outro dia, o caminhão do lixo passou e levou a caixa com os manuscritos do jovem e os despejou em um lixão cheio de urubus se aproveitando dos restos de comida jogados fora pelas pessoas todos os dias e, um garotinho de rua que ia ao lixão todos os dias para ver se encontrava resto de comida com os urubus, encontrou aquela caixa e, curioso, resolveu abri-la e viu que se tratava de um monte de folhas cheias de letras que ele não sabia ler, e, no entanto, mesmo sem saber o que estava escrito naqueles manuscritos, o garoto ficou espantado com a beleza das letras e guardou a caixa e levou com ele para as ruas onde morava.

Certo dia, enquanto pedia esmolas na rua, o garoto parou um homem distinto, bem vestido, com cara de rico – pensou o garoto – e o interpelou, pedindo-lhe uma esmola; o homem, com pressa, disse que não tinha esmola e continuou a caminhar. O garoto então pegou a sua caixa e correu com ela até o homem e, parado à sua frente, disse que se ele não podia lhe dar uma esmola, que então comprasse aquela caixa com papeis cheios de letras bonitas.

O homem então parou, olhou para o garoto e perguntou se aquilo era mesmo uma caixa cheia de letras bonitas e o garoto respondeu insistentemente que sim, dizendo que ele a havia encontrado no lixão da cidade. O homem então, curioso, deu uns trocados ao garoto e comprou a caixa de manuscritos.

Ao chegar a sua casa, o homem, muito curioso, começou a ler os manuscritos e, com o tempo, se espantara, pois se tratava não de cartas ou bilhetes jogados fora, mas sim de um imenso livro, mas não era qualquer livro, era uma verdadeira obra de arte. O homem então, assim que terminou a leitura, ficou extasiado por alguns minutos pensando na história extraordinária e na beleza estética da escrita do livro e, assim que voltou a si da sensação de estase provocado pela leitura dos manuscritos do livro, o homem passou a mão no telefone que havia na escrivaninha de sua biblioteca onde ele estava a ler os manuscritos e disse:

– Tom, eu encontrei uma joia rara, uma obra de arte literária que irá perdurar nas mentes das pessoas por séculos, e o mais incrível é que esta obra foi encontrada por um garoto em um lixão e vendida para mim depois de muita insistência do garoto na rua. Pare tudo na editora, amanhã mesmo começaremos o processo de transcrição desses manuscritos que são quase ilegíveis e colocaremos em alguns meses o livro que irá entrar para a história.

E dentro de seis meses o livro já anunciado em jornais e revistas de todo o país devido ao seu mistério de ter sido encontrado em um lixão, e esse autor enigmático que assinava como Salvador, e quando o livro foi lançado pela editora foi um sucesso imediato de vendas, público e crítica, levando a editora a ganhar milhões com o livro.

Certo dia, no entanto, o pai de Salvador se sentou no sofá de sua casa e ligou a televisão e, para a sua surpresa, era uma reportagem da editora em um programa dedicado exclusivamente ao livro de Salvador, o autor enigmático que ninguém sabia quem era. E o pai de Salvador se deu conta de que, de alguma forma, a caixa de manuscritos imprestáveis do filho que ele havia jogado no lixo havia parado nas mãos daquela editora que estava ganhando milhões com a venda dos livros. O homem então chamou a mulher que estava na cozinha e veio correndo com o chamado do marido e ela viu a reportagem e, pasma, sentou-se no sofá, vendo que os manuscritos que o filho havia se dedicado boa parte de sua vida, e que eles haviam jogado no lixo por serem imprestáveis e não valerem nada estava dando aquele editor milhões de reais; e o nome de Salvador – o autor enigmático cujo manuscrito fora encontrado em um lixão por um garoto que o vendeu a um editor – se tornou um dos maiores nomes da literatura mundial.

 

 

 

 

A Origem do Carnaval

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O carnaval é, em sua origem, um tipo de sonho, de ficção, de ato-falho, ou seja, é a manifestação estética do inconsciente coletivo, e todos os desejos reprimidos pela moralidade são revelados no carnaval. Mas como, quando, onde e por que o fenômeno do carnaval surgiu na história da humanidade?

O carnaval é a realização de uma fantasia do inconsciente coletivo. É uma espécie de válvula de escape da mente humana quase completamente dominada pela moralização civilizacional da humanidade que reprime seus desejos sexuais e violentos por meio da ética e da religião.

Do ponto de vista do inconsciente coletivo, o carnaval é, sob o olhar individual de um homem, como um ato-falo, uma fantasia ou ficção coletiva, um grande sonho envolvendo todas as pessoas em um conjunto. O carnaval é uma exacerbação do desejo sexual e violento que, ao contrario do que ocorre no ato-falho, por convenção, não é aleatório e ao acaso, mas tem dia e hora para iniciar e terminar. Todavia, é um fato que o carnaval é um tipo de válvula de escape dos desejos mais obscuros da mente humana em escala coletiva.

Mas como de fato surgiu o carnaval? Bem, é provável que haja resquícios arqueológicos da presença do carnaval em homens primitivos após a aquisição da linguagem, ou seja, após o corte entre a natureza e a civilização com suas leis e costumes morais.

O propósito do carnaval é dar vazão ao prazer, ao desejo sexual e de violência existente na fantasia de cada ser humano desde o primeiro homem. Assim como a mente deixa escapar por ato-falhos, sonhos e esquecimentos o tesouro do inconsciente individual, o carnaval, o folclore, os mitos e lendas são manifestações do inconsciente coletivo. E foi isso o que Freud não entendeu e Jung sim.

Baseado na natureza da mente humana é provável e bem possível que o carnaval possa ter se originado em eras primitivas, no princípio da civilização. A palavra carnaval significa (adeus à carne), ou seja, o carnaval é, na verdade, uma festa de despedida dos prazeres da carne, onde, como em um sonho, a repressão moral é diminuída e os desejos inconscientes revelados por meio de fantasias, danças, cantos e o folclore como um todo, que é o inconsciente coletivo a céu aberto de uma civilização. O Dicionário do Folclore Brasileiro, que é um dos únicos do gênero no mundo, é o inconsciente coletivo do brasileiro a céu aberto.

O carnaval é um fenômeno que implica necessariamente a moral e a ética, pois todo ele desde sua origem é uma manifestação da culpa e do arrependimento que provém após o fim do carnaval, onde o significado de seu nome revela seu propósito, ou seja, dar adeus à carne que há dias todos se fartaram festejando, bebendo e comemorando com fantasias.

O carnaval é, portanto, antes de tudo, uma experiência moral baseada na culpa e no arrependimento que promove o festejo e a celebração do morto que é pranteado, ou seja, do período socialmente admitido por todos como o período do carnaval, que se repete em um ciclo eterno todo ano desde que o macaco se transmutou em homem por meio da linguagem matemática e do raciocínio lógico.

Recorrendo ao texto mais brilhante de Freud, que é Totem e Tabu vemos a descrição de um mito onde o líder da horda, possuidor de todas as mulheres, negando o contato sexual dos outros homens da horda com as mulheres, fazendo predominar seu desejo de poder, fora posteriormente assassinado pelos próprios filhos e posteriormente devorado e pranteado pelos membros da tribo, que a ressuscitaram a figura paterna do líder da tribo por meio da religião, manifestando um conflito de sentimentos de prazer por ter matado e poder agora possuir as mulheres da horda, e um sentimento de culpa por terem matado o pai da tribo, levando-o ao arrependimento e, por fim, à celebração do funeral,  o sentimento de culpa promove o arrependimento que gera a festividade, a celebração; o primeiro carnaval da história da humanidade: um funeral de um homem primitivo.

Tanto é verdade que os funerais e velórios guardam de forma latente um ambiente de festa e celebração, em algumas culturas serve-se comida e bebida alcoólica aos convidados do funeral, como uma verdadeira celebração nascida de um ato de extremo prazer (matar o Pai e tomar sexualmente as mulheres da horda) seguido de um período de culpa e outro de arrependimento, gerando assim a celebração fúnebre do velório de um homem primitivo que passa a ser devorado e pranteado, chorado e elevado a um nível mítico, quase sobrenatural.

Portanto, o primeiro carnaval da história da humanidade foi um velório de um pai tirano assassinado pelos próprios filhos a fim de que estes em fim pudessem possuir sexualmente as mulheres da horda, que antes eram todas reservadas ao líder brutalmente assassinado por seus próprios filhos a fim de satisfazerem seus desejos sexuais. Por fim, esta morte se torna uma celebração, uma festa. O velório é ao carnaval da morte, e o enterro o espetáculo final.

Portanto, baseado nos argumentos anteriores podemos ter em consenso o axioma:

O carnaval tem sua origem na celebração da morte

Ocorrida após o sentimento de culpa e o arrependimento que promove a celebração, o culto em torno do morto. Eis o primeiro e surpreendente ponto de minha investigação. O carnaval (adeus à carne) era a manifestação festiva do inconsciente coletivo em relação à morte. Adeus à carne significa ao mesmo tempo uma expressão de excesso de prazer seguido de culpa e arrependimento que promovem o carnaval da morte com seus rituais fúnebres, como uma tentativa do membro vivo da família de saldar sua divida moral para com o a alma do falecido. Carnaval (adeus à carne) é a despedida da alma do corpo ao qual habita.

Esse resultado de minha pesquisa é extremamente curioso, pois une, pela primeira vez, de modo inusitado e inesperado até mesmo para o próprio autor, a relação funcional entre o carnaval e a morte. Ambos são iguais, porém opostos, como a vida e a morte, ou Apolo e Dionísio. O carnaval tem sua origem na celebração da morte, por isso o significado de seu nome é (adeus à carne).

No entanto, este não é o único significado destas palavras, pois (adeus à carne) poderia significar o período de culpa e arrependimento seguidos depois das orgias sexuais do carnaval, levando assim à ressurreição da figura do morto por meio do mito, da lenda, da ficção, da religião, da arte e do sonho, gerando resquícios até os nossos dias atuais. Um exemplo clássico é o período da Quaresma após o carnaval, onde muitos católicos fazem penitência pelos excessos da carne que cometera durante o carnaval. Mostrando a sequência prazer + culpa + arrependimento = Mistificação ou religiosidade em torno da figura central do morto, no caso, Jesus Cristo.

Nossa tese comprova sua veracidade ao compararmos as nossas especulações filosóficas a miúde com o carnaval na antiguidade; que eram celebrações de festas grandiosas, onde se comia, bebia (inclusive álcool) que buscavam incessantemente os prazeres da carne, como o sexo, por exemplo, mas não só ele.

Na antiga Roma, de 17 a 23 de dezembro, o carnaval tomava conta da cidade, e tudo, absolutamente tudo na cidade parava por sete dias seguidos de festas, celebrações, sexo e álcool; as atividades econômicas paravam, os escravos ficavam livres por um dia para fazerem o que quiserem e o grau de censura moral de toda a cidade era rebaixado como num sonho, revelando nos homens seus instintos e impulsos mais primitivos. Cujo único propósito é atingir o máximo de prazer, o estase da vida durante aquele período de tempo, e o mínimo de desprazer.  As pessoas trocavam presentes e elegiam de brincadeira um rei que guiava o cortejo pelas ruas, como se fosse um carro fúnebre, mostrando mais uma vez a relação funcional entre o carnaval e a morte.

As máscaras de carnaval só surgem no Renascimento, com suas fantasias luxuosas e carros alegóricos, assim como os carros fúnebres.  Por que elas só aparecem no Renascimento? Qual a relação entre o Renascimento com o surgimento das máscaras de carnaval?

Esta é uma questão interessante e, a minha tese, é de que, sendo o Renascimento um movimento cultural que marcara a ruptura entre a Idade Média e o novo mundo, onde as condições político-econômicas levaram ao nascimento da burguesia que inventara as máscaras de carnaval para esconder suas identidades, suas verdadeiras faces, gerando uma sociedade baseada na hipocrisia.

O surgimento das máscaras de carnaval entre a burguesia europeia é como máscaras sociais que eles usavam para esconder suas próprias identidades, podendo fazer o que quisesse na festa sem que ninguém sequer desconfiasse quem fosse. O surgimento das máscaras de carnaval tem a ver com o surgimento das máscaras sociais que as pessoas, agora com noção de privacidade e identidade; uma é como o reflexo da outra, enquanto você pode circular pela festa sem ser reconhecido. As máscaras de carnaval foram, portanto, uma reação natural da sociedade burguesa à transformação do feudalismo para o capitalismo e a reforma protestante. Se antes, na Idade média, apreciávamos sem qualquer vergonha uma execução cruel em público, inclusive crianças, agora, com o renascimento e a noção de privacidade, propriedade e identidade, surge a necessidade de a burguesia esconder por de trás de uma máscara a sua verdadeira face. Ou seja, as máscaras criadas pela burguesia europeia usadas no carnaval surgiram como uma manifestação social do novo modo de vida capitalista. A máscara da burguesia era usada para esconder sua hipocrisia. E a origem do carnaval é, portanto, a morte.