O Paradoxo Temporal

paradoxos temporais

A carta enviada pela garrafa de vidro jogada ao mar no mundo encantado de Pindorama chegou transformada em e-mail em pleno ano de 72.301 d. C, implorando que alguém desligasse os eletrodos ligados ao computador que permitiu Ubirajara viajar no tempo de uma forma virtual. Ubirajara acabara ficando preso no mundo encantado de Pindorama que surgiu em um universo paralelo quando Cabral roubou o Brasil.

Para enviar sua mensagem do reino encantado do Brasil pré-cabraliano, Ubirajara imaginou que, se houvesse uma forma de comunicar com alguém no futuro, seria enviando uma carta dentro de uma garrafa e jogando-a ao mar, pois assim, quando ela estivesse a desaparecer no horizonte, iria se transportar imediatamente para o futuro, só era preciso ter cuidado com o que as três fiandeiras lhe alertou; ou seja, levar em consideração a diferença de datação simbólica dos dois mundos, pois esta era a única possibilidade de entrar em contato consigo mesmo no futuro impedindo-lhe de viajar no tempo. Mas como conseguir uma garrafa num tempo e em um lugar específico do passado em que os indígenas não conheciam a fabricação do vidro? Para conseguir a garrafa para enviar a carta escrita com tinta tirada do pau Brasil e escrita em pele de cobra, Ubirajara passou por uma aterrorizante aventura. Como os índios não tinham conhecimento da fabricação do vidro, Ubirajara havia escutado de alguns nativos que naquele mundo vivia uma entidade maligna que possuía uma garrafa presa a seu pé, Ubirajara então assumiu a missão de roubar a garrafa do Pé de Garrafa com o propósito de utilizá-la para enviar uma mensagem ao futuro pedindo ajuda para libertá-lo do mundo encantado do Brasil. Uma entidade sombria parecida com um homem muito grande que tinha as extremidades circulares, maciças, e fixava vestígios inconfundíveis de seu ser. Era completamente cabeludo e só tinha uma perna, a qual terminava em casco em forma de fundo de garrafa.

Ubirajara era um cientista brilhante, mas também era um homem corajoso e, para se libertar de Pindorama, ele recorreu a uma atitude quase suicida, mas, sendo corajoso, Ubirajara preferiu morrer tentando escapar daquele mundo de horror e terror, se preciso fosse, do que simplesmente se acovardar diante da situação e nunca lutar pela sua liberdade.

Ouvindo rumores de que o Pé de Garrafa vivia a caminhar pelas madrugadas sombrias da floresta amazônica, Ubirajara, numa noite densa, nebulosa e sombria, saiu pela escuridão da floresta melancólica marcada pelo canto da Mãe da Lua com seus gritos de pavor, e ficou na espreita sobre uma árvore na esperança de que conseguisse encontrar o Pé de Garrafa, uma entidade muito inteligente e diabólica, e que seria muito difícil de encontrar e mais ainda de roubar-lhe a garrafa do pé, mas Ubirajara resolveu, mesmo assim, correr o risco e tentar.

Durante uma semana inteira Ubirajara passou suas madrugadas empoleirado em cima de um pé de caju, na espreita para ver se conseguia uma oportunidade de roubar a garrafa do Pé de Garrafa e com ela enviar seu pedido de socorro para o futuro, na esperança que ela se transformasse em um e-mail virtual que deveria ser encontrado em algum lugar do futuro. Numa madrugada gélida e nebulosa na floresta amazônica, Ubirajara começou a ouvir sons estranhos vindo da mata. Primeiro ouviu gritos estrídulos e amedrontadores, depois mais a frente começou a ouvir vozes familiares, parecendo ser a voz de seus familiares e amigos.

Encantado com as vozes de seus familiares e amigos ressoando nas árvores enormes da floresta, Ubirajara acabou descendo do pé de caju, e, numa ilusão alucinógena provocada por Pé de Garrafa, Ubirajara saiu a perambular em meio à mata densa da floresta procurando por seus familiares e amigos, pensando que de alguma forma eles também haviam viajado no tempo para ajuda-lo a se libertar do universo paralelo de Pindorama, onde os seres fantásticos, assombrações, encantados e monstros da mitologia tupi-guarani e do folclore brasileiro, entidades das mais diversas, de origem exclusivamente brasileira, com uma autenticidade fabulosa e uma ancestralidade milenar viviam em guerra constante. Os bons espíritos, orixás, fantasmas e entidades fantásticas do bem, lutavam para libertar Pindorama das garras gananciosas de Portugal, pois quando Ubirajara viajou do futuro para o passado, ele pousou sua mente justamente no dia em que Cabral invadiu o Pindorama, dando origem ao Brasil. E nesta guerra, muitos maus espíritos, orixás malignos, fantasmas, encantados e entidades fantásticas lutam pela tomada do poder em Pindorama para transformá-la em Brasil, enquanto os bons espíritos e entidades de luz lutam para libertar Pindorama de se tornar Brasil, provocando o surgimento de outro mundo possível existente em uma realidade paralela, um mundo onde o Brasil nunca existiu, pois os nativos brasileiros ganharam a guerra com os portugueses e os expulsou de Pindorama, não vindo a existir o Brasil.

No meio desta guerra sobrenatural e fantástica de horror e terror, Ubirajara fora atraído para a presença de Pé de garrafa que, no escuro da mata densa e nebulosa, surgiu do nevoeiro esbranquiçado provocado pelo frio e deu de cara com Ubirajara completamente hipnotizado pelo Pé de Garrafa. No entanto, por um segundo Pé de Garrafa se desconcentrou de seu controle mental por causa de um barulho vindo do outro lado da mata, e neste instante Ubirajara despertou de seu transe e, se dando conta de que estava junto do Pé de Garrafa, sumiu no meio da mata enquanto o Pé de Garrafa desatento por um segundo olhando para a escuridão no horizonte da selva amazônica, e este, quando se virou, notou a ausência de Ubirajara e, enfurecido, passou a rodar a mata escura e densa procurando Ubirajara.

O Pé de Garrafa procurava endoidecido por Ubirajara e, de repente, o Pé de Garrafa sentiu seu pé ser cortado e, quando ele olhou para baixo, viu Ubirajara deitado ao chão no meio da mata escura com um facão afiado na mão, e assim que a perna de garrafa do Pé de Garrafa fora cortada violentamente, Ubirajara pegou ligeiro, a garrafa com o pé preso dentro e sumiu na mata enquanto o Pé de Garrafa urrava de dor sem a sua perna e sangrava um sangue roxo que se espalhou pela noite na floresta iluminada pela lua rasgada em nevoeiros sombrios.

Ubirajara agora estava em um paradoxo temporal e ao mesmo tempo um conflito moral, pois se ele de fato conseguisse enviar sua carta ao futuro e alguém, que não ele próprio, a recebesse como um e-mail e a levasse até as autoridades competentes como a Unicamp, eles não iriam fazer absolutamente nada para que eu retornasse para o futuro, pois, caso isto acontecesse, o Brasil simplesmente deixaria de existir, pois no futuro do pretérito alternativo em que estava preso no espaço e no tempo, indicava um mundo onde Cabral e os portugueses perderam a guerra e os nativos brasileiros, com a ajuda de entidades fantásticas como o Saci-Pererê e o Curupira, conseguiram expulsar todos os estrangeiros invasores das terras de Pindorama, e neste mundo, neste universo alternativo o Brasil não existiria, e por isso se o receptor da mensagem virtual do passado para o futuro jamais iria realizar qualquer trabalho para levá-lo de volta para o futuro, pois se assim o fizesse, o receptor faria o mundo onde o Brasil existe simplesmente deixar de existir; naquele momento, Ubirajara ficara muito decepcionado, pois compreendera que ele havia ficado preso no mundo encantado de Pindorama que surgiu após a invasão dos portugueses em terras tupiniquins. Por outro lado, se Ubirajara, sem a ajuda das autoridades no futuro, conseguisse modificar o presente para transformar o futuro, ele teria a chance de lutar ao lado dos verdadeiros donos do Brasil, e neste caso este seria como se nunca tivesse existido, pois Ubirajara iria devolver aos nativos de Pindorama as suas terras roubadas pelos portugueses, caso ele sacrificasse sua volta ao futuro e permanecesse preso ao passado, mas caso conseguisse de alguma forma voltar ao futuro, Ubirajara faria o mundo onde os nativos vencem a guerra, desaparecer, pois neste caso o Brasil tomaria o lugar de Pindorama.

Ubirajara tinha nome de nativo tupi-guarani e teve de fazer uma escolha moral: decidir para que lado da guerra ele iria lutar, e neste grande conflito existencial, moral e temporal, Ubirajara depois de algum tempo vendo aquela cena horrível e cheia de terror de uma terra milenar sendo invadida por ladrões de terras, os piratas da mata que vieram pelo mar, decidiu que aquilo era um crime hediondo que estava gerando um verdadeiro holocausto de nativos, e resolveu abdicar de sua libertação do mundo encantado de Pindorama para lutar pela sua existência, permanecendo neste mundo onde o Brasil nunca existiu e, no futuro, existia a versão original de Pindorama, porém, onde os seres fantásticos e entidades sobrenaturais do folclore brasileiro eram apenas lendas e mitos e estes, neste mundo, não se misturavam à realidade como no mesmo mundo, porém invertido, do passado; gerando uma linguagem cósmica universal que se estrutura como um oposto binário relacionado a uma rede quase infinita de mundos possíveis interligados uns nos outros que vão se construindo aleatoriamente sobre às rédeas do destino costurado pelas três fiandeiras de Deus.

 

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